A crônica de hoje remete aos dias de abate de porco na minha infância, em que os adultos acordavam cedo para preparar a tábua de carniança, fazer o fogo e esquentar a água no caldeirão. Uma faca era afiada, geralmente pelo carrasco, (algum primo ou tio).
A sentença já era definida desde o momento da compra do leitão, que foi condenado a produzir carne e gordura. Uns meses depois da compra, naquelas manhãs frias, a sentença era executada.
Sentir dó do condenado, segundo as crenças da família, fazia com que ele demorasse mais para alcançar o descanso eterno. Por isso as crianças (eu e alguns primos) tinham de ficar longe, minha avó paterna me recomendava um jeito de não sentir dó do porco e não atrapalhar os adultos: ir até a minha cama e me cobrir com a coberta grossa de lã de carneiro para não escutar os gritos agonizantes do animal. Provavelmente ela fazia isso quando criança. Outra alternativa era ficar na casa dos meus primos até o porco morrer, e lembro que uma vez, minha irmã mais velha me levou passear na floresta, se não me engano, ajuntar pinhões.
Depois de o porco ser apenas uma massa de carne e estar deitado na grande tábua que era usada de mesa, eu não era mais um empecilho para a família, pelo contrário, tinha de ajudar com o fogo, carregar lenha e colocar água fria no caldeirão para amenizar a água que já estava fervendo. As vezes tinha que ir na vila comprar alho e ainda descascar pra temperar a carne.
A partir da tarde as coisas começavam a melhorar. Procurava-se os espetos, temperava-se o “xixo”, e algumas brasas eram afastadas da fogueira do caldeirão para assar a carne fresca. Mais tarde o torresmo era frito pra extrair a banha, hora de muito cuidado para andar entre os tachos de gordura quente.
A partir desse dia havia fartura de carne boa nos almoços novamente. Dias depois o toucinho defumado ficava pronto, pra mim, uma das melhores partes do porco, o qual vale a pena todo esforço.
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Publicado originalmente em 25 de Maio de 2021.
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