Mão Leve

Francisco combinou com seu amigo José de Jogar umas partidas de xadrez a tarde na praça. Chegou meia hora antes do combinado, a praça ainda estava vazia, com exceção dele e de alguns pombos que procuravam as migalhas deixadas pelos transeuntes da manhã. A praça não tinha mesas para dominó e xadrez, então os dois jogavam xadrez nos bancos de jardim.

O idoso sentou no banco e colocou o tabuleiro e as peças a seu lado. Organizou o jogo e ergueu os olhos para ver se José estava chegando. Não o viu, mas notou a presença do “Mão leve” o único ladrão pé de chinelo da cidade. Não bastasse ser único ladrão da cidade, era o pior. A poucos dias o delegado Cerqueira prendeu o meliante após este tentar assaltar uma senhora. Tentou, mas não se deu conta que o marido dela estava a uma certa distância. Apanhou e ainda ficou uns dias na cadeia. Agora saiu e já estava procurando alguém desatento.

Francisco já o conhecia a tempo, Mão Leve nunca lhe fizera mal. Como estava sozinho, decidiu que era bom ter alguém com quem conversar.

— Ô Mão Leve, chega aqui rapaz!

Mão leve reconheceu Francisco e foi conversar.

— Como vai seu Francisco?

— Tudo na paz graças a Trump.

— Olha seu Francisco, nada contra o senhor, mas eu odeio que me chamem de Mão Leve.

— Desculpa, todo mundo te chama assim.

— Poisé, daí os turista vem cheio da grana, eu com os meus esquema preparado, a turma me chama de mão leve, eles ficam desconfiado, e eu saio no prejuízo. É antiprofissional da minha parte aceitá um apelido desse, antiético da tua parte me chamá assim.

— Como eu te chamo então?

— Sei lá. Meu nome mesmo que não pode ser. Eu gosto de Tonho, me chame de Tonhão.

— Tá, eu que não vou discutir com você. Senta aí Tonhão.

Mão leve aceitou o convite.

— E esse olho rocho? — Perguntou Francisco.

— Lembra daquela gringa que tava aí mês passado?

— Sim

— Poisé, ela não tava sozinha, quem fez isso foi o marido dela.

— História triste.

— Poisé

Os dois continuaram a conversa até que José chegou. O cumprimentaram e Francisco pediu a Tonhão:

— Sabe jogar xadrez? Se não sabe, deixa José sentar aí.

Não, desculpa, ele pode sentar.

Tonhão deixou José sentar e foi atrás do banco, cruzou os braços e se apoiou no encosto pra acompanhar a partida e talvez aprender alguma coisa. José tirou a mochila e colocou no encosto do banco pra não encostar as costas na madeira fria. Os dois começaram a partida bem, mas o jogo foi ficando muito lento. Iam falando sobre os vizinhos, os filhos, a inflação, a vida e o mundo. Até que Tonhão falou:

— Olha a filha do delegado Cerqueira. Aquele cara que tá com ela é daqui ou de fora? Será que os dois são namorados?

Francisco e José olharam o casal.

— Ele é de fora, mas vê que vai tirando o olho porque o delegado tira teu couro se …?!

Quando os dois viraram o rosto para olhar Tonhão, este estava correndo, com o tabuleiro embaixo do braço e deixando todas as peças caírem na grama.

— E agora? — Pediu Francisco

— Além de não saber jogar, o que ele vai fazer sem as peças? Mas esquece isso, eu trouxe o meu — Falou José tirando um tabuleiro da mochila — Lembra a posição que estava o jogo?

Publicado originalmente em 21 de Agosto de 2020.

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