Sento na cadeira azul macia e plastificada, me viro recostando as minhas costas e ergo as pernas até ficar inteiro relaxado. Um rosto de touca cirúrgica e máscara surge por cima de mim, abro a boca e volto minha atenção para a lâmpada que ilumina meu rosto. As brocas odontológicas comem soltas, dessa vez aquela praguinha que fura meus dentes foi funda. O tempo vai passando devagar, o zumbido vai persistindo, até que ele larga as ferramentas na mesinha, pede que eu mantenha a boca aberta e sai por um instante. Quando volta percebo uma furadeira em suas mãos.
— Hummm hmmm
— Calma, eu sei o que estou fazendo.
E a broca vai perfurando as minhas reservas de cálcio. O tempo continua passando lentamente e fico ouvindo a máquina trabalhando na minha boca. O doutor parece desanimado por um momento, se levanta e caminha em direção à porta.
— Mantenha a boca aberta. — diz e sai.
Espero, espero. Mais um tempo do que da outra vez. Sinto minhas mandíbulas arderem. Depois de um tempo ele aparece novamente, tira a touca cirúrgica e põe um capacete laranja de construção, em suas mãos há uma britadeira.
— Hummm hmmm
— Calma, eu sei o que estou fazendo. A furadeira não estava resolvendo muito então peguei isso lá na prefeitura.
Ele liga e começa a trabalhar, o barulho é ensurdecedor:
— TRAAAARRAAAAAARRAAAA
Tenho essas visões enquanto estou deitado lá e ele vai trabalhando sem saber o que se passa pela minha mente. É extremamente profissional, mas a cadeira do consultório me faz cogitar várias ideias para as crônicas. Me seguro para não rir, não é um momento propício para ter uma crise de risos, posso atrapalhar ele e ainda me engasgar.
Consigo me conter e vou torcendo para que ele não saia e volte com um serrote nas mãos, dizendo:
— Vou ter de amputar.
Depois de uns minutos ele parece satisfeito e solta um:
— Que maravilha!
Eu tenho de concordar. Sou uma das sete.
—
Publicado originalmente em 10 de Junho de 2022.
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