Marcos sentou na poltrona, respirou fundo, olhou para onde a vista alcançava. Era um dos primeiros passageiros a entrar. Enquanto os outros se acomodavam, pegou o seu exemplar de Moby Dick e começou a ler. Logo chegou o vizinho de assento, vestindo um Macacão Jeans e carregando uma maleta prata. Marcos até tirou os olhos do livro com a surpresa, já viu mochileiros se vestirem assim, mas nunca viajando de avião, menos ainda na classe executiva. Os dois se cumprimentaram, o desconhecido sentou e Marcos continuou sua leitura. Depois de alguns minutos, o piloto começou a passar algumas informações pelas caixas de som. O vizinho de assento disse a Marcos levantando-se da poltrona:
— Ele sempre repete isso, odeio essa voz. Vou aproveitar pra usar o banheiro.
Marcos deu um sorriso quando ouviu essa confidência, ainda mais por perceber que o vizinho de poltrona, apesar de ranzinza, estava tentando ser amigável. O piloto terminou o discurso e começou a movimentar o avião pela pista. Depois de alguns minutos, o incomum vizinho voltou do banheiro. Já sentado na poltrona, chamou uma Aeromoça e pediu um drink.
— Nem decolamos e você já está bebendo! — Falou Marcos brincando — Eu vou pedir uma bebida só quando chegarmos, pra comemorar o voo.
— Bem pensado, mas imagina comigo, se acontecer alguma coisa com esse avião, eu já estou realizando o meu último desejo. Mas no seu caso, vai morrer sem uma última regalia. Prazer, meu nome é Aljenor.
— O meu é Marcos, o prazer é meu, mas você está enganado Aljenor, eu tenho o meu livro, essa seria minha última regalia.
— Tá comparando essa aventura chata com esse ótimo drink?
— Aventura chata? Só porque você leu e não gostou não significa que é ruim!
— Eu não li. Mas me falaram que é péssimo.
— Entendi! — Marcos decidiu não discutir mais com Aljenor. Mas o vizinho puxou assunto mais uma vez:
— Viajando a negócios Marcos?
— Sim, meu patrão não gosta de viajar.
— Entendo. É administrador?
— Não, trabalho com finanças. E você? Está viajando de férias?
— Não, também estou viajando a negócios.
— A sua empresa deve ser bem flexível, pelo que eu pude notar, você não tem um padrão rigoroso de vestimenta.
— Mais ou menos isso.
— Trabalha com o quê?
— Sou mecânico.
Marcos achou estranho um mecânico viajar a negócios, ia falar alguma coisa quando o avião teve algumas turbulências. A aeromoça veio até a poltrona de Aljenor e falou com ele em voz baixa:
— Como pode ter notado, estamos passando por problemas, o Piloto exige a sua presença na sala de máquinas imediatamente.
— Já vou, mas primeiro vou terminar meu drink.
Aljenor virou a taça na boca, colocou-a no porta copos e se levantou. Pegou a maleta prata no chão e saiu. E Marcos, nem preciso dizer, ficou morrendo de medo.
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Publicado originalmente em 31 de Outubro de 2020.
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