Vou contar algo que me aflige, uma das coisas estranhas de morar em uma cidade do interior. A uns três dias atrás, fui de a pé para a vila, aproveitando a paisagem e cumprimentando vários conhecidos. O dia estava ensolarado, as pessoas alegres (pelo menos a maioria). Na porta de um estabelecimento encontrei meu ex patrão, ele parecia estar saindo, e me cumprimentou com seu sorriso costumeiro. O que me deixa de certa forma incomodado é, por incrível que pareça, tentar decifrar esse sorriso. Pode ser um: “Que legal te ver! Se precisar de algo, conte comigo!”, ou um: “Desgraçado, parou de trabalhar pra mim!”
Fui em uma agropecuária resolver um negócio e já comprei ração para os gatos, a fim de não sair de mãos vazias. Passei em outra agropecuária para ver se havia graxa. Quando entrei me dei conta que estava com o produto de outra agropecuária nas mãos e lembrei de uma situação constrangedora de anos atrás. Em outra agropecuária recebi o seguinte conselho quando o funcionário espiou dentro da minha sacola: “Comprou essa peça na concorrência né! Aqui essa mesma peça é mais barata!” Não falei nada e continuei a minha compra, porém fiquei constrangido com a situação.
Geralmente não fico comparando o preço de cada estabelecimento, simplesmente compro cada vez em um diferente e o item mais barato de cada lugar. Mas voltando para o momento que eu entrei na agropecuária para comprar graxa. Um funcionário me atendeu e mostrou as opções de produtos, alguns que eu nunca havia visto antes, como a graxa em Spray. Peguei dois produtos e fui até o caixa.
O atendente, ao somar os preços, se levantou por um momento e olhou para a sacola de ração de gatos. Não falou nada e continuou a trabalhar normalmente. Fiquei impressionado e grato por ele entender que eu havia comprado em outra agropecuária e não me acusar de ocultar um produto para não pagar, e também não me julgou por comprar na concorrência.
Quase ao final das compras, passei em frente a academia e cumprimentei o personal trainer. Lembrei das vezes em que disse a ele que voltaria a treinar. Eu havia ingressado um mês antes da pandemia, mas interrompi os treinos no início do lockdown, e até agora não retornei. Essas autocobranças e preocupações com a opinião do próximo não ocorrem a todos os habitantes de cidades pequenas, mas aparentemente é bem comum. Com menos pessoas, uma população mais observável, relacionada. E por mais que os convívios revelem belas histórias ou lembranças, ainda me deparo com a pergunta:
Qual gafe minha ele(a)(s) conhece(m)?
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Publicado originalmente em 12 de Maio de 2023.