À Espera

Foto de PHILIPPE SERRAND
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Ernst pegou o balde e caminhou até o curral das cabras. Passou alguns minutos amarrando cada uma em seu lugar e tirando as que não davam leite. Fechou a porta e as alimentou. Jogou o restante do capim para as cabras que ficariam fora do curral aquela noite, pegou o banquinho, o balde e começou a ordenha. Os animais estavam arredios, percebeu. As cabras se moviam impacientes dificultando que o idoso lhes ordenhasse. Tobi, o cão que era tão animado e enérgico, agora permanecia deitado pelos cantos, com as orelhas caídas, sem que qualquer coisa lhe tirasse a melancolia. É saudade dela, pensava Ernst, também melancólico esperando o retorno de Erica, que saíra na manhã do dia anterior para comprar mantimentos.

Com muito esforço conseguiu ordenhar todas as cabras. As desamarrou para que ficassem mais à vontade dentro do curral, guardou o banquinho e voltou para casa levando o balde de leite. Aos poucos o calor do sol ia diminuindo e o vento soprava com cada vez mais intensidade. O idoso deixou o balde de leite em cima da mesa, cobriu com um pano, pegou uma tijela com queijo e carne defumada, um pedaço de lenha lascada e foi sentar-se no banco rústico paralelo à parede da casa. Desembolsou o canivete e cortou com destreza algumas fatias finas de carne e queijo. Tobi veio sentar-se aos seus pés, com a certeza de jantar com seu humano. Ernst comeu uma fatia de cada mantimento e compartilhou dos mesmos ao cão.

Pegando o pedaço de lenha que havia escolhido, passou a descascá-lo com o canivete, olhando constantemente para o horizonte, tentando encontrar com os olhos, Erica subindo a montanha. As buscas seriam inúteis, ele sabia, a neta nem havia de ter chegado no povoado, e ainda teria de viajar por mais de um dia e meio para chegar em casa. Se sentia mal por deixá-la viajar sozinha, mas já não tinha a força de antes e então era mais seguro que ela fosse só. Mas esperava que por algum milagre ou carona inesperada ela já estivesse perto de casa.

Lentamente começou a tirar lascas da madeira, sem saber o que esculpir. Uma águia talvez fosse o mais fácil de esculpir nesse momento de agonia, porém, Erica sempre lhe pedia que esculpisse cervos, dos quais guardava uma coleção. Mas não era momento de detalhes, apenas divagações, sentimentos tristes que lhe tiravam o ânimo. Olhou novamente para o vale, em vão. Ela realmente chegaria em alguns dias, admitiu. Ou naquela noite, ocorreu-lhe outra chama de esperança.

Quando se deu conta, a claridade foi engolida pela noite, e o vale agora permanecia em completa escuridão. O pedaço de madeira, outrora ótimo para ser esculpido, agora estava fino demais e não daria para esculpir nada, precisaria achar outro, mas a luz acabou e o cansaço lhe fez lembrar da cama. Levantou-se. Tobi, um pouco longe de Ernst, mastigava alguma coisa. O idoso pegou a tijela e foi para dentro de casa. Acendeu um lampião, guardou o balde de leite no armário, e quando foi guardar a bandeija, notou que nela havia agora apenas o pedaço de queijo. O cão lhe roubara o pedaço de carne enquanto estava em suas divagações. O repreendeu em sua mente, mas com compaixão. Também sente falta dela, pensou. Guardou a tijela, fechou a porta e foi para a cama, alimentar as esperanças.

10/11/23

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