Crianças querem Crescer

Quando era criança, ouvi muito as várias formas da frase: “Aproveita, porque essa época acaba rápido!” Ironicamente eu queria que essa profecia se cumprisse. Não tinha nada que eu quisesse mais do que ficar mais velho. Sonhava em ser adulto. Pensava que quando isso acontecesse, como em um passe de mágica, todos os meus desejos se realizariam. Cada ano que passava não era um a mais de vida, era um a menos para me tornar adulto. 

Como era de se esperar, a vida adulta me decepcionou. E isso me faz pensar hoje em dia: Com que olhar nós adultos observamos a infância? Que referências nós temos sobre esse assunto? Como as crianças devem encarar essa época tão marcante? Bem, provavelmente hoje, mais do que em qualquer outra época, as crianças querem ser adultas. Vemos toda espécie de profissionais mirins: “Coaches”, influencers, modelos, atores e até pastores. 

Enquanto algumas se veem confrontadas com uma liberdade tão grande que não podemos saber até que ponto é saudável, outras se veem presas a condições degradantes. São exploradas pelos “responsáveis”, e pelas circunstâncias. Não vou descrever as situações aqui, mas você sabe, quando vemos uma criança em alguma situação e pensamos: “Posso não saber direito o que envolve a infância, mas com certeza ela não deve ser assim!”

Você também compara a sua infância com a de algumas crianças de hoje em dia? Eu não me contenho, principalmente ao que se refere a tecnologia. Muitos de nós já fomos  impactados negativamente por ela, mesmo tendo iniciado o acesso apenas no final da adolescência ou início da vida adulta. A forma que as crianças fixam os olhos na tela é assustadora. Em grupos de compra e venda frequentemente aparecem mensagens de mães perguntando por um celular ou tablet barato “para criança”. A intenção parece boa, mas eu me pergunto: Mesmo sendo um aparelho mais obsoleto, quantos livros infantis ou infanto-juvenis daria para comprar com esse valor? 

É claro, estou sendo conservador (e não gosto de me imaginar assim), mas deixe-me explicar. Eu sei que não é fácil criar uma criança, e principalmente, educá-la bem. É o tipo de coisa que apenas quem teve pode ter ideia do quão difícil é. Mas por mais difícil que seja aguentar uma criança agitada sem dar a ela um celular, todos nós sabemos o quão prejudicial podem ser esses estímulos vorazes para cérebros tão novos. E o contrário também, que a leitura ajuda em várias áreas, apesar de também exigir supervisão.

Por mais que os livros, por muito tempo, tenham recebido a fama de “castigo”, eles nunca deixam de ser relevantes em matéria de entretenimento. Não têm anúncios, não ficam obsoletos, não precisam carregar, podem ser lidos por inúmeras vezes, dependendo das emoções que despertam no leitor. Podem também ser doados ou armazenados em uma pequena estante e bem cuidados podem durar muitos anos. Muitas vezes trazem alegria para mais de uma ou duas gerações.

Bem, não era exatamente sobre livros que eu pensava em escrever quando comecei essa crônica. Mas quando me baseio em minha infância, sinto falta de ver crianças com um gibi ou livro aberto, empolgadas com a leitura, rindo das palhaçadas e tendo boas impressões sobre os livros e suas histórias. Eu não sei você, querido leitor, mas eu tenho várias aventuras  maravilhosas, as quais lembro com carinho, e que só existem graças a alguns gibis e livros infanto-juvenis. E alguns livros que leio hoje em dia não me marcam tanto como algumas das aventuras que li na infância. 

A infância é sublime e única, era isso que todos queriam me alertar. Por mais que a vida adulta tenha seus benefícios, muitas das coisas que aconteceram na infância são insubstituíveis, e a graça que havia em fazer muitas coisas, não existe mais. Tiramos habilitação e podemos dirigir até em outros países. Mas e aquela ladeira onde se descia incontáveis vezes com um carrinho de rolimã? Aqueles poucos metros eram uma adrenalina maravilhosa, mesmo tendo que empurrar o pesado brinquedo para cima novamente. Podíamos capotar ou bater em uma árvore sem grandes consequências.

Hoje podemos escalar montanhas, o Everest, e em alguns casos mais isolados, ir até a lua. Mas alguma dessas coisas substitui aquela sensação de ter subido até o último galho da árvore mais alta e observar o horizonte? Só de pensar nisso já lembro que não tenho mais a mesma flexibilidade, o mesmo tamanho, coragem e peso para fazer uma proeza dessas novamente. Tudo mudou, é engraçado olhar algo que nos empolgava tanto na infância e não entender mais o porquê daquilo ter sido tão especial. 

Muitos adultos hoje tiveram uma infância marcada por infortúnios, ao invés de bons momentos. Deixo aqui a minha solidariedade a quem foi marcado por tristes experiências enquanto eram crianças. Como abordado na crônica anterior, não podemos mudar o passado. Mas temos a possibilidade de pensar em como deve ser a infância, e cuidar para que as crianças de hoje tenham boas lembranças no futuro. Elas querem crescer, e dificilmente algo irá mudar isso. Mas podemos presentear a elas, uma infância inesquecível.

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