Inimigo Anônimo

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“Bom dia Alexander!
Talvez tenha ficado surpreso com esta singela surpresa.
Mas não se preocupe, é apenas um aviso, cuidado com as costas!
Atenciosamente, seu inimigo anônimo.”
Alexander realmente se surpreendeu ao achar o bilhete. Estava saindo tomar seu café da manhã quando se deparou com o papel espetado por um punhal na lateral da porta.
Leu o conteúdo e ficou se perguntando quem seria o tal “Inimigo Anônimo”. Não tinha conhecimento de ninguém que lhe desejasse o mal, principalmente por aqueles dias de tranquilidade. Seria algum colega de infância ainda guardando mágoa de uma brincadeira irresponsável? Algum comprador ou vendedor insatisfeito com o negócio? Alguma ex namorada ainda rancorosa com a separação? Talvez algum dos ex sogros malucos que teve? Alguma mulher o acusou falsamente ao pai como sendo o motivo de estar grávida? Não, não conseguia compreender, sempre usufruiu do respeito dos mais velhos, a admiração dos companheiros e o gracejo das damas.
Fechou a porta, dobrou o bilhete e o colocou no bolso da camisa, acomodou o punhal no bolso interno do casaco. Precisava descobrir que arma exótica era aquela, e o ferreiro foi o homem que passou primeiro em sua cabeça, era o homem que trabalhava com toda sorte de aço, provavelmente saberia a procedência da lâmina. Desceu as escadas e caminhou em direção à ferraria. Uma chuva fina e serena caía aumentando o tamanho das poças de água na estrada de terra. Conforme ia se aproximando da oficina, o som da marreta moldando o ferro na bigorna ia se intensificando.
A porta estava aberta e Alexander entrou. Passou pelas estantes de ferragens até ver as faíscas de ferro iluminando um canto. Lá estava o ferreiro dando forma a uma foice, empenhado profundamente na tarefa, sem perceber a presença de Alexander. Até que a esposa saiu da casa ao lado e colocou a mão nas costas do marido. Este sentiu o toque e parou de martelar, virou-se e viu Alexander escorado em uma parede esperando o profissional dar um tempo.
— Ele quer falar com você — disse a mulher ao marido — O barulho do ferro está deixando ele surdo — lamentou para Alexander.
Este agradeceu o favor da senhora, que caminhou novamente para seus afazeres.
— Ora ora Alexander! O que posso fazer por você? — Disse o ferreiro de forma alegre — mais cavalos para mim ferrar?
— Não dessa vez. Têm um tempo pra tomar um café comigo? Eu pago.
— Parece algo importante mesmo! Depois dessa peça aqui eu posso dar uma pausa, mas preciso terminar ela, vai demorar uns minutos ainda — disse o ferreiro colocando a peça novamente na forja e atiçando as brasas com o fole.
— Pode ser, eu já vou indo lá na Dona Elsa pra fazer o pedido — disse Alexander saindo da oficina. Atravessou a estrada de terra enlameada desviando de algumas carroças e entrou na pequena lanchonete da Dona Elsa, viúva empreendedora que possuía a lanchonete e alguns quartos para alugar, entre eles o qual Alexander estava hospedado.
— Bom dia Alexander! — ela cumprimentou.
— Bom dia! Como você está? — respondeu Alexander.
— Tudo ótimo! Amo a época das chuvas! Menos viajantes e turistas pra emporcar a cidade e me assediar, tudo fica mais tranquilo.
Assino embaixo! — disse Alexander com um sorriso — eu também aproveito essa época pra tirar umas férias, porque fica difícil de viajar com os cavalos, montar acampamento, fazer fogo e atravessar os rios.
— Vai querer o mesmo de sempre?
— Isso, gosto de comer bolo quando estou na cidade, porque quando viajo só como pão com carne e café. Convidei o mestre da ferraria pra vir tomar café comigo, pode servir o mesmo pra ele também.
Alexander sentou-se em uma mesa perto da vidraça e viu o ferreiro tirar o avental de couro e sair da oficina. Em pouco tempo este entrou na lanchonete e sentou-se à mesa.
Elsa trouxe dois pedaços de bolo e duas xícaras com chocolate quente. Os dois agradeceram.
— Não quero ser ingrato, mas você me chamou pra tomar café! — falou o ferreiro em tom de brincadeira.
— Café da manhã, desculpa, foi um erro meu, eu estou com um pouco de pressa. Mas se quiser eu peço um café.
— Não, sem problema, até é bom tomar essa bebida feminina de vez em quando — disse o ferreiro rindo.
Alexander ficou um pouco magoado com o preconceito do ferreiro para com o chocolate quente, mas relevou. Mordeu o seu pedaço de bolo e enquanto mastigava tirou o punhal do bolso.
— Consegue me falar sobre a origem dessa faca? Achei ela espetada na minha porta hoje de manhã, com um bilhete não muito amistoso.
— Deixe-me ver — disse ele pegando o punhal e o analisando.
— Não é uma simples faca, têm até esse veio aqui pra vítima sangrar mesmo se ela não for retirada. Têm um bom equilíbrio entre cabo e lâmina, então pode ser arremessada com facilidade. O aço é bom e o estilo me parece que é mais comum no norte. Dificilmente um peão teria uma faca assim, mais provável um fazendeiro. As pedras podem não ser preciosas, mas prender elas no aço não é pra qualquer ferreiro como eu, exigiu o trabalho de algum ourives. Pegue, não gosto de segurar algo assim, quem sabe quantas vidas ela já tirou — disse ele entregando a arma pra Alexander.
— Faz sentido, mas não tenho ideia de alguém com esse perfil que me deseje o mal. Talvez algum fazendeiro do norte não ficou satisfeito com os meus cavalos.
— Também acredito nisso, não conheço alguém aqui que faria algo dessa natureza com você, a maioria te ama. Mas quem deu esse recado espera que você amoleça o pulso, fique apavorado igual um porco fujão, pra daí te acertar.
— Também pensei nisso — disse Alexander esvaziando a xícara — Elsa! — chamou.
— Sim! — surgiu ela na porta da cozinha.
— Apareceu algum forasteiro por aqui? Talvez um fazendeiro do norte? — perguntou Alexander.
— Aqui não, mas sei que três homens do norte estão hospedados no Beerman. Chegaram ontem de manhã e o inspetor está de olho neles.
— Entendi! Obrigado Elsa!
— O inspetor, porque não falou com o inspetor? — perguntou o ferreiro.
— Eu acredito na competência dele, mas decidi ver o que descobria por conta própria. Vou ver se encontro esses forasteiros no Beerman.
— Você acha que são eles?
— Agora tenho quase certeza, talvez um comprador novo que ainda não conhece a minha reputação, e dois peões.
— Vi que você está desarmado, quer o revólver que eu tenho lá na oficina?
— Obrigado mas não quero resolver as coisas assim. Só uso as armas quando viajo. Quando um coelho aparece na estrada é mais fácil sacar o revólver do que pegar o rifle. E isso quando os indios não o acertam primeiro.
— Felizes os pacificadores — disse o ferreiro sorrindo ao citar o trecho bíblico — como assim Indios?
— Pra passar em paz pela reserva eu costumo presentear o líder com bons cavalos. Ele passou a mandar dois guerreiros me escoltarem até atravessar a reserva, homem de respeito que é.
— Me permita citar mais um ditado: "Se não pode contra o inimigo, junte-se a ele!" - disse o ferreiro.
— Marca na minha conta Elsa! — disse Alexander se erguendo da cadeira.
— Pode deixar! — respondeu ela da cozinha.
— Acho que eu vou junto pra ver isso. Se eu morrer a culpa é tua — disse o ferreiro em tom de brincadeira.
— Pode deixar! disse Alexander com um sorriso ao pegar o chapéu da parede e sair da lanchonete.
Ao caminhar um pouco pelo assoalho dos estabelecimentos, logo chegaram ao Beerman. O ferreiro entrou na frente e já pediu uma cerveja. Alexander olhou as mesas procurando os forasteiros de quem Dona Elsa havia falado. Achou dois deles jogando cartas em uma mesa aos fundos. Reconheceu o fazendeiro para o qual havia vendido um cavalo meses antes.
— Posso me juntar a vocês? — perguntou.
— Olha quem apareceu! Mas é claro, sente-se!
Alexander puxou a cadeira e sentou-se com eles.
— Talvez seja erro meu, mas acredito que esta faca é sua — disse mostrando o punhal.
— Sim, é minha sim, ganhei em uma aposta a uns dias .
Tome novamente, e não deixe perdida por aí — disse alexander entregando o punhal. — Veio atrás de mim? Porquê?
— Aquele cavalo era coisa de outro mundo, forte, lindo, uma pelagem sem igual. Foi só você vir embora ele se transformou, emagreceu, adoeceu e tive que o enterrar. Mas eu sei o que aconteceu! Foi maldição de índio, eu vi eles com você! — disse o homem aumentando o volume e tom da voz — em vez de denunciar ao inspetor lá do norte, vim atrás de você procurando justiça, seja o que Deus quiser!
— Falou sobre o meu caráter com os teus vizinhos que também fizeram negócios comigo? Nunca aconteceu de um dos meus cavalos morrer tão jovem nas mãos de um comprador. — deu uma pausa e depois continuou: — Todo mundo sabe que eu prefiro sacrificar um animal doente do que vendê-lo a alguém. Você também conhece a realidade, sabe muito bem que qualquer um de nós está sujeito a morrer a qualquer momento, quanto mais um cavalo!
O homem foi sendo impressionado pela sinceridade de Alexander.
— E o teu azar é meu azar, posso te devolver o dinheiro ou arrumar outro tão lindo quanto o outro, há muitos criadores excelentes por essas bandas, pode até pegar o dinheiro e negociar direto com um deles se não confia mais em mim.
Tudo bem. Pelo que pude ouvir você têm boa reputação. Acho que posso confiar em você novamente.
— Bom ouvir isso! Mais um cliente satisfeito — riu.
O ferreiro se uniu a eles esquecendo da oficina aberta e Alexander pediu uma cerveja. Combinaram a nova entrega do cavalo, o fazendeiro voltou com seus guarda costas para o norte e Alexander continuou aproveitando suas férias.