Quando o Passado nos Condena

Eu sei, você já se sentiu culpado por ter feito (ou não) algo. E se por acaso não sentiu, trago más notícias. Os sentimentos de culpa e arrependimento sincero, até onde sabemos, são sensações exclusivamente humanas. O passado nos lembra e nos condena, ao seu prazer, nos martirizando por algo aparentemente irrecuperável. Vamos vivendo, nos equilibrando entre tantos deveres, tentando fazer o máximo, o certo, apesar do futuro incerto e injusto. De repente, uma das tantas cordas que tentamos segurar, se rompe ou escapa entre os dedos, a incerteza do futuro de repente se torna uma realidade dolorida. Vira um erro marcado a ferro quente em nossa consciência. Ingenuamente erramos, e após isso, com uma memória impecável, nos infligimos a culpa.

Esse arrependimento traz consigo possíveis soluções. Nos tornamos observadores, o acontecimento se transforma em um grande quadro em nossa sala, em que podemos parar a qualquer momento, com uma xícara de café, e analisar cada detalhe, ponderar todas as possibilidades, julgar os borrões e escorridos e pensar que sem dúvidas poderíamos ter feito melhor. Mas se estivéssemos naquele dia, naquele clima, com os mesmos materiais e a mesma técnica, os traços falhos seriam os mesmos, e agora,  a tinta secou. Julgamos o erro com a experiência de hoje, que só adquirimos por termos errado. Em um instante somos o marinheiro que deixou a corda escapar, e no outro, o capitão do navio, a julgá-lo, ordenando que receba quarenta chibatadas e seja jogado ao mar, sem misericórdia. Deveria ter se assegurado, é claro, de que não falharia, talvez aplicado mais força, chamado um companheiro, remendado a corda, qualquer coisa, menos deixá-la cair, avalia o juiz. Mas o marinheiro não existe mais. Está transformado. 

Uma das frases que ouvi na escola e que até hoje me chama atenção, é a de Heráclito de Éfeso: “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou.”

Estamos em constante mudança, física e emocional. Em um ciclo de aproximadamente 7 a 10 anos os nossos ossos já são completamente novos. E o que dizer das mudanças pelas quais passa o nosso valioso estoque de experiências! Digamos que agora por uma nova tecnologia que desafia a lógica,  uma máquina do tempo foi inventada. E também por alguma razão muito aleatória, chegou em minhas mãos. Talvez eu poderia impedir que Cristóvão Colombo chegasse à América. Ou que os chineses inventassem a pólvora. Poderia impedir a construção do Titanic. Mas eu nem lembraria disso. Iria direto à minha infância, evitar que o meu eu daquela época falasse aquelas coisas imbecis ao meu amigo. Impediria que eu testasse a paciência das professoras e da minha família. E outras coisas tão vergonhosas que não consigo escrever aqui. Se eu pudesse mudar pelo menos uma dessas coisas, que pessoa eu seria agora? Eis que surge um paradoxo. Apagar meus erros do passado seria como aquela cena clássica de humor, em que um personagem está em cima da árvore com um serrote, e serra o mesmo galho que o sustenta. A única coisa que resta para nosso eu do passado, é o perdão. E quem sabe, um futuro melhor, com menos arrependimentos.

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