Um caso de Engraxate

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Era um casal feliz, mas ela passou a ter motivos para desconfiar. Sabia dos gastos, o que entrava e saía, mas ao perguntar sobre uma certa demora dele após o trabalho e um gasto de dinheiro, ele afirmava que havia engraxado os sapatos.

— Mas como isso, a graxa está tão cara? — ela perguntava.

— Gorjeta! — dizia ele com um sorriso discreto.

Sentiu que devia ter algo de errado, aquilo não lhe cheirava bem, e não desejava irritá-lo com suas perguntas. Notou a frequência em que ele demorava mais do que de costume e decidiu que deveria verificar com seus próprios olhos e, se suas suspeitas amargas se concretizassem, o pegaria no flagra. Em um dia em que ela calculou que ele demoraria, entrou em uma lanchonete perto do trabalho do marido e sentou em uma mesa a fim de esperar. Deu o horário, alguns minutos ele saiu e ela o seguiu com os olhos por um instante, depois passou a segui-lo a uma distância.

Ele pegou uma quadra que não era o caminho de casa e ela viu que seus cálculos estavam certos. O marido entrou em um sebo e saiu com uma revista em mãos. Sentou em um banco ao lado de fora do estabelecimento e um menino se abaixou à sua frente. Meteu os olhos na revista e passou a ler, enquanto o garoto tirava caixas de graxa, panos e uma escova da mochila. Ela estava surpresa, o que ele dizia era realmente a verdade até o momento. Ficou observando de longe, os sapatos seriam engraxados logo e ele poderia passar em outro lugar depois.

O engraxate estava empenhado passando caprichadamente a graxa nos sapatos. O homem falava algumas coisas e o jovem concordava com a cabeça, às vezes balançava em negação, mas a conversa estava animada. Em alguns momentos ele interrompia a leitura e abaixava a revista para que o rapaz visse. Analisava de vez em quando o trabalho do jovem e fazia sinal com a mão para que ele escovasse os sapatos mais um pouco. Depois de um tempo tudo se repetia, logo o jovem passava ainda mais graxa e escovava novamente. Vendo isso, a mulher entendeu porque os sapatos do marido brilhavam como os espelhos.

Depois de um tempo o homem conferiu o trabalho do garoto e deu um sorriso, estava feliz com o polimento, logo os equipamentos foram colocados novamente na mochila, o homem se levantou e entregou a revista ao rapaz. Tirou a carteira do bolso e pagou com algumas notas generosas. O menino as guardou, sentou no banco e passou a ler a revista. O homem tomou o caminho para casa e a esposa teve de se esconder. Ela decidiu conversar com o garoto, reparou que a revista era especialmente de carros, interrompeu sua leitura:

— Esse homem sempre vem aqui?

— Sim, meu melhor cliente. Porquê?

— Nada, apenas curiosidade.

— Não cresça os olhos nele não, da forma que fala da esposa, parece muito bem casado.

01/07/22

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