Hoje eu estava como de costume tomando meu café da manhã com minha mãe e avó. O rádio estava ligado na estação “local”, e ouvi a jornalista citar o nome do meu ex-professor de Ciências Humanas. Ele é bem engajado na divulgação e preservação da cultura ucraniana no Brasil, até mesmo promoveu algumas apresentações do grupo cultural de dança Ucraniana nos festivais da minha escola. Ele concedeu uma preciosa entrevista ao Jornal salientando a comoção em todo o mundo com a invasão praticada pela Rússia, e que as tensões já ocorrem desde a independência do país.
Me senti orgulhoso de ter sido seu aluno e senti saudades das aulas com ele. Lembrei de um episódio curioso daquela época. Ele mantinha uma barba, simétrica e bem caprichada, o que não o resguardava de receber apelidos constrangedores. Uma vez veio para dar aula vestindo uma dessas jaquetas volumosas, que podem estar vazias por baixo ou cobrindo um cinto de explosivos. E como eu não sabia a diferença entre Ucrânia e Oriente Médio, cogitava a possibilidade de, em alguns instantes, a escola voar pelos ares. Mas como podem ver, foi uma preocupação infundada, aquela jaqueta não explodiu, e eu estou aqui escrevendo essa crônica.
Essa guerra me faz pensar na infância da minha avó, as histórias que ela sempre repete, por terem sido marcantes (no mal sentido), memórias que o Alzheimer luta para apagar. Apesar de ela ter nascido no Brasil, lembra dos reflexos que a Segunda Guerra causou no Rio Grande do Sul, onde ela nasceu e passou a infância. Apesar de não ter estudado os motivos históricos, sempre demonstra o desejo de que isso nunca se repita.
O que aconteceu durante a infância dela? Como vários descendentes de alemães no Brasil, ela nasceu em uma comunidade formada por alemães e seua descendentes, com cultura alemã. Seus pais, meus bisavós, não sabiam quase nada de português, falavam com os filhos, amigos e família apenas em alemão, e com os conhecidos brasileiros fazendo gestos.
Ela lembra que era proibido falar alemão, e que se alguém os ouvisse falando em sua língua materna, seriam punidos. Tinham de cochichar, falar o mínimo possível e até mesmo tentaram criar uma nova língua. Ela e uma irmã um pouco mais velha se encontravam no galinheiro para colocar as conversas em dia, violando a proibição de Vargas. Uma vez ela até contou sobre o inspetor da polícia, alemão ou filho de alemães, que recebera a triste ordem de informar as pessoas da Colônia de que era proibido falar alemão no Brasil. O irônico é que provavelmente ele teve que traduzir a lei para o alemão, já a violando. Depois desses acontecimentos ela aprendeu o português na escola, com a ajuda e paciência de uma professora que não falava Alemão.
Foi um tempo em que culturas foram perseguidas por causa da guerra. Com os novos conflitos, isso está se repetindo. Não só com o povo ucraniano que está sofrendo uma tentativa de ser silenciado, mas também com a cultura russa que sofre com a indignação da humanidade ao ataque de Putin. Esta Crônica é apenas uma consideração sobre os impactos da Guerra na Cultura, em que todos os lados saem perdendo, e em sua maioria, pessoas inocentes.
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Publicado originalmente em 04 de Março de 2022.