Estamos cansados de ver roubos por dinheiro, em que ou o ladrão rouba o a carteira de alguém, ou algo para vender. Mas algo pouco comentado é o roubo por cultura, movido por algum motivo “passional”. Como um observador encantado que olha para uma obra de arte, em uma galeria ou na casa de alguém, e fica tão hipnotizado que a deseja na própria sala de estar. Se ele conclui o furto, provavelmente não poderá deixar visível em casa, então a coloca na parede do porão. Não vende, porque o dinheiro não o interessa, quer admirar a obra sem filas o empurrando, sem limite de tempo, olhar de perto, sem as fitas impedindo sua aproximação. Tocar o quadro e sentir com o tato os traços do artista.
É conhecido que alguém que rouba alimento para saciar a fome recebe uma medida de piedade, pois até certo ponto é algo coompreensível. Da mesma forma, o roubo à arte ou cultura recebe vistas grossas, talvez devido a uma certa fome psicológica de cultura presente no ser humano.
Um exemplo é a frase: “roubei mesmo, o livro estava acumulando poeira na estante e eu peguei, pelo menos vai ser útil pra mim”. Calma, não vou ficar julgando todo mundo, mas preciso descrever a realidade para mostrar o meu ponto de vista. Um livro acumulando pó está a espera de um leitor, talvez o dono já leu, mas se está na estante provavelmente este o deixou para consultas futuras, talvez seja até um dos seus livros preferidos.
O dono pode até estar esperando uma oportunidade de emprestá-lo a alguém, é um fato que leitores normalmente gostam de conversar sobre os livros. Sempre há um motivo para o livro estar na estante acumulando pó, e é um direito, livros são propriedades. Peça emprestado (e devolva!).
– “Mas eu tenho vergonha!” (vergonha é roubar).
– “Ele(a) não me emprestaria.”
Porquê? Nesses casos insista ou empreste de outra pessoa. Precisamos normalizar o empréstimo de livros, e talvez a maior dificuldade quanto a isso é que muitas vezes eles não são devolvidos.
Poderíamos criar uma cultura em que até os mais egoístas se sintam bem emprestando seus livros. A Cultura e arte são incríveis, ajudam várias pessoas de várias formas, como entretenimento, para descobrir coisas novas, aprender uma nova língua, etc. Mas se ela é tão preciosa, porquê o roubo a ela muitas vezes é justificado? Uma das respostas é:
Ela não tem dono.
Quem faz a arte a lança ao mundo, cria conceitos que serão copiados, inspira novos artistas, (sem contar a pirataria e plágio ). Sabe aquelas frases que colocam em posts motivacionais, dando referência a Chorão, Will Smith, Confúcio, Abraham Lincoln, Aristóteles, Buda, Bukowski ou até Jesus, entre outros? Foi criado o conceito de que tudo o que eles falaram era algo inteligente (no caso de Jesus eu não duvido), mas hoje em dia seus nomes são associados a frases que eles odiariam. Da mesma forma hoje em dia vários escritores famosos são surpreendidos por textos forjados e publicados dando autoria ao seu nome. E infelizmente, muitas vezes a arte é manipulada por motivos políticos.
Quantos quadros da Mona Leonardo Da Vinci pintou? Um. Quantas cópias existem? Milhares. Me pergunto se ele ficaria feliz em ver crianças na escola rabiscando o conceito da sua obra prima. A disponibilidade de monalisas no mundo torna a original inútil? Não. Se alguém a roubasse (que isso nunca aconteça), a arte sofreria uma perda irreparável, nenhuma cópia preencheria a lacuna completamente.
Há uma idéia popular de que a arte é livre, para alguns por ser preciosa demais (como a água ou oxigênio), para outros como o lixo (“por que pagar por isso?”). É algo ruim? No primeiro caso não, a arte é sim, preciosa e necessária. Mas sempre há preços a serem pagos. O tempo do artista, seus materiais, editoras e galerias ambiciosas, no caso dos livros o papel, impressão, divulgação, etc. E infelizmente quem pretende viver de arte precisa burlar preconceitos dos pais, dos amigos, da sociedade. De que arte é apenas lazer, não dá dinheiro, entre outras.
Então pelos benefícios da arte, persistamos em proteger a Mona Lisa (de preferência a original), apoiar artistas, comprar obras! Com consciência tranquila e felizes por ter contribuído, para que a arte continue mudando vidas e sendo como é: livre (no bom sentido).
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Publicado originalmente em 19 de Novembro de 2021.