Esperança Fluvial

Hugo tirou o avental, o lavou no tanque e pendurou no gancho ali perto. Ergueu um pé de cada vez para lavar as botas que estava calçando, ensaboou bem as mãos e com a água da torneira, lavou os respingos de sangue em seu rosto. Pegou seu chapéu e o cachecol no armário dos funcionários e saiu. Encontrou Dona Amélie, mãe de seu patrão, sentada na calçada à frente de casa observando os trabalhadores passando na rua, cada um voltando para casa. Sempre almoçava com a família de Amélie, era um gesto de carinho por parte de seu patrão, para que não precisasse voltar para casa ou levar marmita. Agradeceu novamente o almoço preparado por Amélie e sua nora, despediu-se e seguiu caminhando para casa. 

Atravessou o corredor espesso de pedras, onde a rua era pavimentada com pequenas pedras lavradas, e as casas grandes ao seu redor também forjadas de pedras. Uma visão assustadora, escura, bruta apesar do trabalho cuidadoso que exigiram essas fundações. Chegou ao final do corredor pétreo, era um grande descampado, com uma faixa de grama e alguns jardins, uma calçada de concreto, e embaixo até mais longe no horizonte, o grande rio Sena. Hugo estava exausto, desde a manhã até aquele momento, ajudou o patrão a abater o gado, tirar couro, desmembrar as carcaças e picar a carne, com apenas alguns minutos de descanso após o almoço. O rio lhe restaurava as energias, as esperanças, da mesma forma que águas frescas banhavam seu leito e levavam embora o esgoto. 

Mas naquela semana passou a ansiar uma renovação mais profunda, estava farto de limpar intestinos de gado para fazer embutidos, lavar as baias, cortar e processar a carne. Queria algo novo, um trabalho mais seco, mais limpo e tranquilo. Gostava do patrão, mas não queria pedir um aumento, uma promoção ou mais pausas para descanso. Sua única esperança de melhorias era conseguir um novo emprego, mas a chance de ter as mesmas preocupações ao passar do tempo eram grandes. 

Caminhava com as mãos nos bolsos, contemplando com interesse alguns patos que buscavam sua janta no meio do rio. Um barco agitou as águas e os fez voar para uma área mais à frente, e a caçada por peixes frescos continuou. Hugo fixou sua atenção no barco, era vermelho vivo, movimentando a roda de pás com seu motor a vapor. Poderia trabalhar em um navio, cogitou. Passou a imaginar longas viagens, a sensação de estar flutuando, a fauna e flora que poderiam ser contempladas navegando pelo “Seine”. 

Estaria até mesmo satisfeito ao trabalhar com a carga e descarga dos produtos ou com o entretenimento dos turistas. Ou melhor ainda, operador de caldeira, o principal responsável por mover tantas toneladas de carga por aquela imensidão de água. Era isso, o emprego do futuro. Se via agora no porão do barco, abrindo o registro para abastecer a caldeira com água e começando o fogo na fornalha. Manipulando a pressão do vapor e o funcionamento correto do pistão. O capitão não era nada sem ele. O barco vermelho desapareceu em uma curva do rio, e Hugo percebeu que a noite se aproximava. Voltou a caminhar, precisava chegar logo em seu pequeno apartamento e fazer fogo no aquecedor, um trabalho sempre monótono mas que agora tinha significado, pois logo estaria cuidando de uma fornalha, navegando pelo Rio Sena.

Publicado originalmente em 21 de Fevereiro de 2024.

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