Começou a época dos pinhões. Não oficialmente, acho que a venda está proibida, mas eles já estão caindo e o consumo acontecendo. Os pernilongos estão fazendo a festa, esses pequenos vampiros existem, podem voar de dia e procuram suas vítimas, os catadores de pinhão. Logo logo chegam as geadas para amenizar esse nosso sofrimento, os pernilongos deixarão de existir, pelo menos até o inverno acabar.
Esses dias em uma tarde fui pegar umas frutas na casa da minha mãe e ela me mostrou uma panela em cima do fogão, havia colocado os pinhões cozinhar e agora estavam fazendo cheiro ao meu nariz. Ela já havia comido alguns, então me ofereceu e eu prontamente sentei ao lado do fogão e comecei a me servir. Tábua de cortar carne no colo, uma concha na panela para pegar os pinhões, e um utensílio de madeira como martelo para abrir a casca e retirar a massa comestível de dentro.
Minha avó estava como de costume sentada em sua poltrona ao lado do fogão, então fiquei com vergonha de comer sozinho, comecei descascar um pinhão pra ela e dois pra mim. Sua memória lhe fez recordar de algumas coisas que ela geralmente conta nessa época, e nós da família ouvimos em todos os invernos. Que ela e uma de suas irmãs mais velhas iam juntar pinhões em um pinheiro gigante perto da casa da família quando elas eram novas, pinheiro este, acredito eu, era o mesmo que foi derrubado para madeira quando o pai delas vendeu as terras. Mas dessa vez ela se concentrou nas recordações mais alegres.
— “Têm que ver se aquele pinheiro ali em cima perto das canas deu pinhão esse ano! Eu sempre juntei bastante ali.” — falou ela, recordando novamente de quando ainda conseguia com seus passos lentos ir nos pinheiros mais próximos da casa ajuntar os preciosos pinhões. — “A maioria desses que eu ajuntei foi ali!” — a minha mãe respondeu, dando um certo alívio para a minha avó, lhe mostrando que os pinhões não estão “se perdendo”.
Naquele mesmo pinheiro foi tirada uma das fotos mais fofas da infância minha e do meu irmão. Eu devia ter entre quatro e cinco anos, meu irmão, entre doze ou treze. E claro, estávamos juntando pinhões, cada um com um baldinho, nossa mãe fez questão de registrar aquele momento. Entre nós e não menos importante estava a faísca, uma cadelinha pequena que fez parte da minha infância e marcou várias histórias da família (eu a chamava de “Viquiti”, não me perguntem o porquê).
Já que estou falando de pinhões e família, lembrei de um jogo ao estilo Las Vegas, feito não com cartas e roletas, mas com, adivinhem: pinhões. E foi ensinado pelo meu pai, no calor aconchegante da cozinha quente devido ao fogão a lenha, mesmo em uma manhã de geada. Já não lembro direito as regras, mas consistia em descascar um pinhão, assado na chapa, quebrá-lo ao meio e deixar que o outro participante adivinha-se qual parte do pinhão estava na mão do adversário, se a parte apontada ou a parte arredondada. Se acertasse comia o pinhão, era um jogo com prêmio saboroso e com cinquenta por cento de erro e acerto, mais generoso que os de Las Vegas.
Essas são algumas lembranças que surgem nos meus invernos, por isso não posso dizer que odeio o inverno e amo o verão, até já escrevi uma crônica sobre isso. O inverno tem suas peculiaridades, o sol é mais precioso, a cama é mais gostosa, os pinhões aparecem embaixo dos pinheiros, o chimarrão ganha seu mérito e o lugar ao lado do fogão a lenha é o mais disputado. São as sensações do inverno, a época do Pinhão.
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Publicado originalmente em 15 de Abril de 2022.