A Engenharia dos Castelos de Areia

Foto de Magda Ehlers

A ideia me ocorreu no instante em que eu e alguns amigos estávamos enterrando uma amiga na areia da praia. Não se preocupe, ela estava viva e nossas intenções não eram nada hediondas. Fomos despejando areia, até um ponto em que podíamos fazer cócegas em seus pés, sem que ela pudesse reagir. As ondas vinham e levavam um tanto de areia do monte, pareciam ajudar a libertá-la.

Lembrei dos castelos de areia que eram feitos na caixa de areia da creche quando eu era criança. Geralmente eram um fracasso, caíam, não ficavam bonitos, e quando estavam em um tamanho razoável, alguém aparecia para destruir, ou nós mesmos, construtores fracassados, pisoteava-mos e íamos brincar de outra coisa.

E agora, mais experiente, eu consigo fazer um castelo resistente e bonito? – pensei. As chances estavam a meu favor, os anos contribuíram para a minha paciência, raciocínio, e alguns conceitos básicos de engenharia. E com certeza meus amigos não iriam destruir a minha obra de arte depois de pronta.

Peguei emprestado o balde de uma filha de um casal de amigos e comecei a minha oitava maravilha do mundo moderno. Meus amigos e outros turistas provavelmente não entenderam porque um adulto estava tão empenhado em construir um castelo de areia. Algo desnecessário e de certa forma infantil, confesso, mas era uma realização interna, a criança adormecida acordou em mim e clamava por um castelo de areia.

Enchi o balde de areia algumas vezes e o virei no local onde desejava o castelo. Assim começou o meu desapontamento, uma parte da areia ficava grudada no fundo do balde e causava falhas grotescas nos primeiros pilares da estrutura. Precisava ir pesquisando a melhor areia, a melhor combinação de umidade, e a quantidade de compactação necessária para que a areia não grudasse no fundo do balde, nem desmoronasse ao ser tirada do molde.

Um amigo de mais idade, avô da bebê que me emprestou o balde, decidiu me mostrar qual areia era melhor e qual a melhor forma de compactá-la. Deu certo, prestei atenção e percebi que o modo como ele fez estava certo, inclusive o monte de areia ficou muito melhor do que os que eu havia feito até o momento. Me entregou novamente o balde e continuei a construção, seguindo os passos recém aprendidos. O resultado não era o mesmo, mas já estava melhor do que as primeiras torres que fiz. A primeira carreira de torres estava concluída, então decidi fazer um aterramento para fazer a segunda camada. Despejei as baldadas de areia e soquei bem. Depois fiz mais uma carreira de torres por cima.

Não estava nem perto da estética que eu queria. Não estava lisinho e geometricamente agradável, havia muitas falhas e torres tortas, correções grotescas, mas provavelmente foi o melhor castelo de areia que eu já construí. Minha motivação para vencer as chacotas era justamente construir um castelo de areia espetacular, gracioso e imponente, que ao final todos aplaudiriam e passariam para mim a medalha de melhor construtor de castelos de areia. Talvez depois de uns cem castelos de areia construídos eu conseguiria desenvolver a técnica apropriada, e construiria o castelo de areia dos sonhos.

Desisti, talvez poderia fazer algumas correções, mas estava parcialmente satisfeito, havia tentado, satisfeito a criança interior. Devolvi o balde e voltei para o mar para ser esculachado pelas ondas junto aos meus amigos. Por vários dias o mar estava delicado feito um agiota bradando: “Cadê o meu dinheiro?” Durante a tarde a maré subiu e o castelo virou um alvo fácil, desmanchando-se cada vez mais, a cada onda que quebrava. No outro dia não havia nenhum sinal de um castelo de areia naquela parte da praia. Ninguém tirou fotos, não há registros da minha criança interior sendo externalizada. Melhor assim, com uma tentativa, um fracasso e uma crônica.

27/04/24

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