São incríveis as utilidades da crônica. Esta por exemplo é uma fotografia, não apenas de um pôr do sol, mas também de um momento. Tudo começou quando, sem luz e internet, fui mais cedo trabalhar no estábulo para recolher o gado. Troquei a serragem molhada das camas por serragem seca e decidi ir buscar mais para o dia seguinte. Peguei o carrinho de mão, dois sacos, e fui.
Era um dia agradável, começava a escurecer, o sol estava indo iluminar a China. Eu caminhava na direção contrária, mas quando vi a luz do sol embelezando as nuvens e morros, lembrei de tirar uma foto. Mas tirar uma foto como, se deixei o celular em casa carregando? Então decidi fazer o que os meus avós faziam. Aproveitar o momento. Soltei o carrinho de mão e me virei para observar alguns detalhes do espetáculo.
Havia uma nuvem solitária sendo irradiada com a luz alaranjada do sol. Procurei um formato, igual fazem com as constelações. Encontrei um dinossauro, e apesar de não ter fascínio por dinossauros, aquele me impressionou. Era formado de vapor e água, mas tinha uma aparência robusta e parecia predador. Tinha uns arcos de nuvens mais à sua direita, em cima de um dos morros. Me perguntava como foram formados aqueles rastros no céu.
Haviam elementos secundários, como aqueles que ficam embaçados nas fotos, porque não fazem tanta importância ao cenário. Eram os fios de luz e postes perpendiculares à estrada, as árvores da floresta, a cerca de divisa com o vizinho e a pastagem dele. Um caminhão estava vindo ao longe, decidi disfarçar e continuar meu trajeto. O que os transeuntes pensariam de alguém na estrada olhando o pôr do sol?
Lembrei que admirando eu poderia escrever uma crônica, sim, esta que você está lendo. Fui procurando mais alguns detalhes, entre eles a serragem boa que estava disponível na serraria. Estacionei o carrinho de mão, enchi dois sacos de serragem e amarrei a “boca” deles. Os deitei em cima do carrinho e comecei a empurrar. Percebi que o pneu estava murcho, não muito, daria para voltar para casa.
Agora estava de frente para o pôr do sol. Mas a nuvem não era mais um imponente dinossauro. Busquei novamente uma forma, e a única que encontrei foi a daquele emoji de “caca” (💩), que de vez em quando são estampadas em camisas. E os rastros ainda estavam lá, ainda mais perto da nuvem, formavam um “meteorito escatológico”(Não olhe para cima!). Ainda bem que eu aproveitei para apreciar enquanto a nuvem ainda era apenas um dinossauro.
A carga do carrinho não estava pesada, achei isso impressionante. Talvez se deva ao fato de que eu estava distraído pensando em como seria esta crônica. E modéstia a parte, está melhor do que eu pensei, ainda bem que eu não estava com o celular. Agora posso publicar essa “fotografia” e a apreciar daqui a algum tempo. E não será apenas um pôr do sol, mas será um momento, um dos bons.
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Publicado originalmente em 28 de Janeiro de 2022.