O Senhor do Rio

Nas minhas recentes andanças, passo de bicicleta à frente de uma casa simples, de madeira e sem pintura. Com uma varanda pequena e alguns cachorros de pequeno porte a observar quem passa na estrada. Fica ao lado de um morro, e também da velha ferrovia. Passo por lá e vou subindo pela estrada íngreme, quando, depois de alguns minutos chego ao topo, um lugar cercado por várias Araucárias. Em uma larga entrada de plantação, onde em tempos antigos provavelmente as árvores tampavam a vista, é possível observar lá embaixo, uma paisagem encantadora nos dias claros. Ficam visíveis a curva do rio, a mata ciliar, as várias plantações, e alguns montes de areia no terreno da mineradora. Apenas nesse ponto do trajeto consigo observar o rio, apesar de em vários lugares ele passar perto da estrada. Está ali, sempre perto, mas ao mesmo tempo, só percebo de fato sua presença ao subir o morro das Araucárias. 

A subida que mencionei se torna uma descida quando estou indo daqui para lá. Puxo ao máximo os freios da bicicleta que em certo momento fazem um barulho estranho, enquanto falham e preciso soltá-los e apertá-los novamente. E ainda meio embalado passo pela casa pequena, poucos segundos antes de cruzar o trilho do trem e chegar ao terreno plano. Não faz muito tempo que conheci o dono daquela humilde morada. Eu estava empurrando a bicicleta e me preparando para subir o morro, enquanto ele remendava um bote, pregando uma lata de zinco em uma tábua que havia apodrecido. O cumprimentei e puxei assunto, conversamos um pouco sobre o clima. Eu tinha uma viagem longa pela frente e não queria pegar chuva na estrada. Foi nossa primeira conversa, e pude perceber o otimismo e a simplicidade daquele senhor. 

Tempos depois reparei que o bote ainda estava lá. Ele me contou que não o havia levado para o rio porque a fiscalização ambiental estava navegando muitas vezes, em busca de caçadores ilegais e pescadores exagerados. Não entendi direito o temor dele, mas ele devia ter seus motivos. Ultimamente não vi mais o bote, ele deve ter levado ao rio. Pelo que fiquei sabendo, aquele senhor não tem esposa e filhos, não é aposentado mas tem certa saúde para trabalhar em algumas fazendas da região. Usa métodos antigos para iluminar a casa à noite, mas dorme “com as galinhas” e acorda ao cantar do galo.

Quando passo por lá em algumas tardes, ele costuma estar reunido com amigos na pequena varanda, conversando, contando causos, talvez histórias de pescador. Deve ter muitas, como o feixe de varas de bambu em cima do telhado. Parecem amigos tão fiéis, a compartilhar experiências e passar um tempo com aquele senhor. Essa simplicidade é contagiante. Apesar de viver com pouco, nada lhe falta, e parece inclusive, que tem muito a distribuir. Talvez seja o rio a consolar esse idoso ribeirinho. Por que quem mora perto da água é tão feliz? Parece que o rio é tão generoso e acalentador, que lava embora as aflições e traz esperança.

O senhor do rio vive naturalmente um sonho utópico de vários homens que conheço, inclusive meu. Uma cabana pequena perto do rio, que dê pra pescar da varanda. Um bote bom e força para remar, os mais ambiciosos desejam, é claro, um motor de popa. Equipamentos de pesca e uma rede confortável. E paz, depois, quando der tudo certo.

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