O Universo dos Ratos

Os gatos estão por aí, esbanjando beleza, estirados à sombra, despreocupados com tudo e todos. Suas únicas preocupações são me buscar na cama de manhã para ganhar ração, e miar à noitinha para que leite fresco seja despejado em seus pratinhos. Procurar água fresca, e proteger a casa de outros gatos que às vezes aparecem para testar os limites do território. Tenho dois, mas no sítio inteiro há sete. Nas outras casas eles ganham carne, ossos, e até mortadela, complementando a ração disponível em alguns horários do dia. Mas estão sempre carentes, com seus olhos brilhando enquanto olham para minha avó enquanto ela come algo. Ela fica com dó, e reparte vários pedaços do que está comendo, mesmo que o gato ingrato apenas cheire e deixe no chão. Muitas vezes, nessa frenética busca por carne, deitam-se no caminho entre a pia, a mesa e o fogão. E os humanos, atarefados e com pressa precisam desviar seus passos das pernas e patas dos pobres e indefesos animais.

Enquanto os gatos caçam pouco, apenas para combater o tédio, os ratos fazem a festa no galpão, anexo à estrebaria. Há um tempo, quando se entrava à noite na estrebaria, saltavam alguns roedores, subindo pelos cantos depois de terem vasculhado os cochos do gado à procura de grãos de milho e farelo de trigo. Alguns paravam em cima de alguma madeira e ficavam olhando curiosos por um curto período de tempo, até se esconderem. Alguns gatos mais sagazes passaram a ficar mais tempo no galpão, e os ratos se tornaram um pouco mais amedrontados. Não se vê mais os pestinhas correndo quando entramos no galpão, mas eles deixam alguns sinais visíveis de sua presença. Furam os sacos de farelo de trigo e o espalham pelo chão, junto com sinais mais nítidos de sua comilança.

Os “ratos de família” devem juntar um punhado de farelo, colocar em uma bolsa, e caminhar novamente ao lar, alimentar sua grande prole. Deve haver algum sindicato, para a aposentadoria, sabe-se lá como eles esperam passar a velhice, ou confiam que um gato lhes devore antes desse dia chegar. Talvez tenha algum cassino, roletas de botão, uma banda improvisada com instrumentos de tampinhas de garrafa, palitos de fósforo e alguns barbantes. Há dívidas e alguns dos jogadores compulsórios ficam na portaria esperando que um rato de bom coração lhe pague mais uma rodada. Enfim, uma sociedade civilizada, com postos de gasolina e hospitais, ratos indo e voltando, ratos brigando e ratos fazendo mais ratinhos. Isso me lembra da “Utopia dos Ratos”, uma experiência também conhecida como Universo 25. Para essa experiência, um cientista decidiu fazer um pequeno universo para alguns ratos de laboratório com comida e recursos à vontade em um limite de espaço. Eles se reproduziram, se reproduziram, e com o tempo, o Universo 25 começou a colapsar. A superpopulação levou a temperamentos mais agressivos, doenças mentais, e com o tempo, a população entrou em colapso, até sua extinção.

Os ratos do galpão certamente aguardaram muito por essa época, pois logo irei colher o milho e armazená-lo. Alguns animais já começaram a esvaziar as espigas na lavoura, e se a população de ratos continuar ativa, o prejuízo continuará, o alimento será abundante para essa comunidade faminta e organizada de pequenos roedores! Mas para que não aconteça algo trágico como no Universo 25, decidi adiantar o resultado da experiência, antes que essa população chegue a seu ápice. Lembrei de uma solução melhor do que a boa vontade dos gatos, e que não exige que eu fique armando ratoeiras. Os raticidas! Vou comprando de várias marcas, amostras variadas, para que esses fofos roedores tenham a oportunidade de escolher os grãos mais apetitosos ou com sua cor favorita. Já faz umas semanas que eu estou comprando e espalhando esses cereais coloridos. Com o tempo eles vão sumindo — e, junto com eles, a festa dos ratos.

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